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Calote republicano

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05.05.2009 Opinião /Artigo Pág.: 06
Marcelo Uchôa
A ideia de tornar o sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, consagrada no II Pacto Republicano de Estado firmado entre os chefes dos Três Poderes, em 13/4, teria surtido grande efeito positivo no ânimo da comunidade jurídica, não fosse a traição decorrente da aprovação no Senado, em 1/4, da Proposta de Emenda Constitucional 12/06, que institui o “calote” no pagamento das dívidas públicas contraídas por União, Estados e Municípios.
Como se sabe, a legislação do país garante à fazenda pública a prerrogativa de perder na Justiça, mas não pagar suas dívidas de imediato e, sim, incluí-las no ano orçamentário subseqüente, para quitação de acordo com ordem cronológica de apresentação dos créditos, salvo dívidas de pequeno valor cujo pagamento pode dar-se de imediato. Esta anomalia jurídica, supostamente inexistente no resto do mundo, chama-se precatório, e tem sido alvo de histórica divergência entre credores e poderes públicos, haja vista que estes, mesmo com a permissividade legal, não vêm cumprindo a determinação de quitação no ano orçamentário previsto.
Através da PEC 12/06, está-se prestes a institucionalizar de vez o calote nas dívidas públicas, pois doravante a fazenda poderá parcelar seus precatórios em 15 anos, com preferência de pagamento para as menores dívidas, ou quitá-los através de leilão judicial em que, independentemente de ordem cronológica, o credor que pedir menos pelo valor de seu crédito terá prioridade na quitação.Além disso, a PEC prevê que a correção dos precatórios deverá ser realizada pelo índice da poupança e não pelos índices de correção judiciais. Em suma, segundo a alteração aprovada no Senado, apenas os precatórios alimentares de pequeno valor e aqueles cujos titulares possuem mais de 60 anos se safam do calote imediato, mas continuam com futuro incerto.
A PEC indubitavelmente atenta contra a sociedade e o Judiciário, cuja autoridade se vê ultrajada. E ainda querem falar de Pacto Republicano?
Marcelo Uchôa – Advogado e professor de Direito
processual@gomeseuchoa.adv.br