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Alienação parental

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20.03.2011 Opinião
Cleto Pontes – Psiquiatra e professor da UFC
cletopontes@ uol.com.br
Conceber, engravidar, via de regra, é normal e não é prerrogativa do ser humano, pois inscrito está na genética de outros animais. Difícil é exercer a função de pai e mãe. Cada vez mais torna-se complicado administrar conflitos. A cisão da família nuclear e o descomprometimento do Estado na assistência básica à família, como educação, segurança, saúde e tudo mais, gera o caos nos relacionamentos. Isto é um fato social, como diria o sociólogo E. Durkheim, que impõe coercitivamente a nossa maneira de pensar, sentir e agir.
Daí, surge o conceito da síndrome que intitula o artigo de hoje: alienação parental, ou seja, situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro cônjuge,
criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao
outro genitor.
Richard Gardner (1931-2003), professor da Universidade de Columbia e membro da Academia norte-americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente, estudou esse quadro com a sensibilidade de terapeuta e percebeu esse novo tipo de conflito familiar no inicio dos anos 80. Tratava de filho reclamando do pai ou da mãe, sem motivo aparente, geralmente em momentos de lazer. A reclamação sistematicamente era feita sobre aquele que judicialmente não tinha a guarda. Intuitivamente, ele aventou a hipótese de ser fruto de uma ?lavagem cerebral?, vindo do ex-parceiro.
Psicanaliticamente, é difícil se fazer uma cisão do casal, pois a instituição matrimônio exige uma série de regras e compromissos sem brechas para o julgamento de vítima ou culpado, mas sim de corresponsabilidade.
O relacionamento perfeito é algo divino ou utópico; apenas podemos nos referir a relacionamentos harmônicos ou não. No segundo caso, na raia da perversão, é difícil até mesmo para um especialista compreender quem está ?sadizando? quem, pois ambos ?representam? bem os seus papéis.
Gardner, em 2003, suicidou-se com múltiplas facadas no pescoço e no peito, entretanto a sua percepção da realidade atual do casamento se tornou lei no Brasil, a partir do mês de agosto de 2010. Como a Lei Maria da Penha, que em 2011 simbolizou o dia da mulher, a lei de alienação parental, provavelmente, gerará frutos em breve, pois no fórum nas Varas de família o número de perseguição ao alienador tem aumentado.
Parece que o ditame bíblico de amar o nosso semelhante ainda não foi incorporado na mentalidade humana, fato que se reflete também no relacionamento conjugal. Hoje muitos desejam amar e serem amados, mas sem antes cuidar de destilar o veneno gerador de ódio existente dentro de si mesmo.
A bíblia diz não matarás. Sócrates, antes afirmara, conhece-te a ti mesmo. Por um lado, a mulher símbolo da justiça guarda a venda nos olhos e por outro, não foi por acaso que Édipo, depois de todas as suas conquistas, vazou os próprios olhos e Sansão multiplicou sua força espiritual após ter os olhos vazados por um príncipe filisteu. Moral da historia: é olhando para si mesmo, para o nosso mundo interior, que encontraremos a verdade sem espiar culpa a ninguém.
Somos sobreviventes de uma sociedade antropofágica, devemos melhorá-la em benefício de todos, sobretudo das crianças, maiores vítimas da perversão humana.