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Mãe entra na Justiça para reaver guarda de filho

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27.04.2010 Cidade
Ela conta que foi obrigada a deixar o menino com casal em Manaus há 17 anos, mas nunca o esqueceu
Afirma o poeta Paul Raynal que um amor mais forte que tudo, mais obstinado que tudo, mais duradouro que tudo, é somente o amor de mãe. No caso da dona-de-casa Ana Cláudia Ferreira de Matos Aquino esse sentimento a impulsiona a remover “céu e terra” há pouco mais de 16 anos para reencontrar o filho deixado em Manaus (AM) e adotado por casal de amigos.
Há pouco mais de um mês, por meio da internet e programa de TV, ela descobriu o paradeiro do garoto e luta para tê-lo de volta. O casal e o adolescentes moram em Curitiba (PR).
O caso de Ana Cláudia está nas mãos do advogado Paulo Quezado que deverá entrar com ação na Justiça na tentativa de reaver a guarda do garoto, hoje às vésperas de completar 17 anos de idade. Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) também entrou na história. A procuradora Nilse Cunha Rodrigues apura denúncias sobre possíveis irregularidades na adoção do jovem.
Novela
O drama da dona-de-casa começa quando, aos 17 anos de idade e com um filho recém-nascido, saiu de Apuiarés (município no Interior do Ceará) para Manaus, onde foi morar com a prima em busca de uma vida melhor. “Sonhava em aprender a ler, a escrever, trabalhar para sustentar e criar bem meu bebê em paz”, conta.
Nada deu certo. Houve desentendimentos e acabou na casa de uma outra família. “Conheci os dois ( o casal) durante sessões de fisioterapia, na clínica onde minha prima trabalhava. Fizemos amizade e quando contei que não tinha para onde ir, me convidaram para morar com eles”, relembra Ana Cláudia.
No começo, narra, foi tudo tranquilo. Depois de seis meses, o casal conseguiu um emprego noturno para Ana Cláudia. “Os dois prometeram tomar conta do meu filho no período em que eu estivesse no trabalho. Foi meu erro. Eles se apossaram do menino que já nem dormia comigo e quando vi, fui obrigada a colocar o dedo (era analfabeta) em um papel que nem sei o que era. No fim, me ameaçaram e eu não sabia o que fazer. Tive que vir embora. Fiquei um ano como que paralisada, sofrendo horrores sem meu menino”.
Ela relata, ainda, que passou anos procurando o filho. Participou de programas de televisão e de chats na Internet procurando o filho. Quando o descobriu, no final de fevereiro último, chegou a falar com ele por telefone.
“Meu filho não me reconhece como mãe. Contaram a ele uma história de que eu o doei e isso eu não fiz, nunca faria. Só quero que ela saiba disso e vou provar que estou falando a verdade”.
Procurado pela reportagem, o casal (A. Z e M. A. Z.) afirma que tem todos os documentos comprovando que foi um processo absolutamente legal de adoção. “Ana abriu mão do pátrio poder e nos entregou o filho”, garantem os dois.
Luta sem fim
“Nunca abri mão de meu filho para ninguém e isso vou provar na Justiça custe o que custar”
Ana Cláudia Ferreira
Dona-de-casa que disputa a guarda do filho na Justiça
VARA DA FAMÍLIA
Adoção é ato irreversível
O juiz José Krentel Ferreira Filho, titular da Coordenadoria das Varas de Família, defende que se apure o que de fato aconteceu nessa história. Se, indica, a mãe biológica quiser levar adiante o caso, terá que entrar com uma ação onde o filho mora atualmente, em Curitiba (Paraná), e comprovar que não abriu mão de sua guarda, como diz categoricamente. Se ficar no Ceará, diz, o caso deverá ir para a 16ª Vara de Família.
No entanto, alerta, se houve a adoção legal, ela é irreversível. “A mãe ou o pai, depois de o processo encerrado, voltar atrás e requerer a guarda do filho. Não é bem assim”, afirma o magistrado, que diz falar teoricamente, pois não conhece oficialmente o processo e não pode, por questão ética, se manifestar em casos de outros juizes.
Segundo ele, a mãe biológica só terá chances de reaver a guardar do jovem, em caso de adoção legal, se for comprovada vícios no processo. “Isso quer dizer se houve erros, se ela provar que foi enganada, forçada, constrangida. Aí sim, existe a possibilidade de reverter a adoção. Mas ainda existe o fator tempo que deve ser avaliado. Nesse aspecto, em particular, qual a razão de se levar tantos anos para buscar seus direitos”, questiona o juiz.
Com a promulgação da legislação atual, lembra, a assistência à infância, à adolescência e ao idoso passou a ser enfocada como uma “questão social” e o Estado brasileiro vem atuando como grande interventor e o principal responsável pela assistência e pela proteção desses sujeitos sociais e de seus direitos. “No caso da guarda, é fundamental saber o que é melhor para a criança ou adolescente. O juiz não se baseia somente no direito e sim na preservação da pessoa para que ela não apresente problemas futuros”.
LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Laços de família não se perdem
Celecina Veras Sales
Professora UFC/Nugif
A briga pela guarda do jovem rapaz é complicada e muito delicada. Ela envolve não somente questões de direito, de Justiça, e sim laços de família que não são desfeitos como num passe de mágica.
Mesmo que a mãe biológica esteja falando a verdade, que de fato ocorreu o que ela narra, seu filho nem a reconhece como mãe. Ele ama os pais adotivos, quem o educou, quem o orienta, quem convive o cotidiano de um adolescente, que já é uma fase complicada em si mesma.
Existe também, e isso tem que ser visto como elemento fundamental, a questão da afetividade. O afeto vem reclamando a atenção do Judiciário brasileiro, mas percebe-se que em algumas situações, o legislador já se encontra adiantado ao tutelar em diversos instrumentos normativos o afeto como elemento constitutivo das relações familiares. Nesse caso, como em tantos outros, em que a guarda da criança ou adolescente é disputada na Justiça, as duas mães, a biológica e a adotiva, têm que conversar, que dialogar, levando em consideração o interesse do garoto.
Acredito que os dois lados sofrem, mas se o caso não for avaliado pela ótica do amor, do respeito pelo jovem, do que é melhor para ele, para seu presente e futuro, considero um ato de quase violência, que poderá ter consequências graves para todos os envolvidos. É preciso considerar bem o que se faz.