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Vácuos no atendimento às crianças vítimas de violência

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Fortaleza Pág. 10 13.10.2009
Só o Disque 100 encaminhou a outras instituições, de janeiro a agosto de 2009, 1.421 denúncias do Ceará. Mas na rede de atendimento faltam vagas nos abrigos e clínicas especializadas para receber crianças e adolescentes com dependência química
Os relatos de violência chegam até de madrugada a serviços de teleatendimento como Disque 100, do Governo Federal, e o Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), da Prefeitura de Fortaleza. Os serviços de disque-denúncia são uma porta de entrada, favorecida pelo anonimato, para que sejam acionados outros mecanismos de defesa da criança e do adolescente, como conselhos tutelares, delegacias e programas especializados e abrigos. No entanto, embora se reconheçam avanços no atendimento às vítimas, essa rede ainda apresenta vácuos.
Só o Disque 100 encaminhou a outras instituições, de janeiro a agosto de 2009, 1.421 denúncias do Ceará. Leila Paiva, coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes, do qual faz parte o serviço, acredita que o País e o Ceará têm melhorado a oferta de atendimento especializado aos casos. Ela também afirma que se avançou nas pesquisas sobre essa realidade, o que pode embasar melhor as políticas da área.
O Disque 100 e o DDCA também fazem o monitoramento das respostas às denúncias. Por enquanto, no Disque 100, Leila diz não ser possível avaliar de forma adequada como estão as respostas ao serviço, por ser um acompanhamento recente dos dados. Para Tiago de Holanda, coordenador especial da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, o DDCA tem conseguido melhorar a articulação entre os órgãos e programas especializados, que antes tinham um diálogo “frágil“ entre si. O DDCA conta com equipe própria de educadores sociais.
Segundo o coordenador, o próximo passo é repensar a fragilidade que persiste na ponta do processo: a responsabilização dos agressores. Há casos em que a demora no julgamento é tanta que o pai ou a mãe agressor acaba ganhando a liberdade e voltando para casa. E, como medida de proteção, quem tem de sair é a criança. “A criança tem que fortalecer o vínculo com a família. Mas a Justiça tem que responder rápido a tudo isso“.
O promotor de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público Estadual, Odilon Aguiar Neto, acrescenta que também seria importante unificar nacionalmente o fluxo do encaminhamento das denúncias. “Às vezes os órgãos ficam fazendo trabalhos superpostos, atendendo à mesma denúncia“. O promotor ainda aponta como entrave as condições de trabalho dos conselheiros tutelares, que na maioria das vezes estão no início dessa cadeia de atendimento. Eles enfrentam dificuldades de estrutura nas sedes dos conselhos e até de deslocamento para acompanhar as ocorrências, por falta de carro ou mesmo de gasolina.
Outra demanda em aberto é a falta de equipamentos de assistência especializados em receber crianças e adolescentes dependentes químicos, enquanto o consumo e o tráfico de crack crescem na Cidade. O conselheiro tutelar da Regional III, Cláudio Rocha, também reclama da superlotação nos abrigos. “Se tiver menino em situação de rua e for preciso abrigar, hoje não temos como conseguir abrigo. Às vezes a gente se sente um pouco amarrado, impotente, diante de tanta demanda e poucas políticas públicas para a área“.
E-MAIS
> Para o conselheiro tutelar Cláudio Rocha, um espaço onde a política de proteção poderia avançar é a escola. De acordo com uma lei estadual, todas as escolas do Ceará deveriam ter uma comissão para identificar, notificar e acompanhar casos de maus-tratos.
> Segundo a Secretaria da Educação do Estado (Seduc), elas já foram implantadas na rede estadual. No Município, elas estariam desarticuladas por causa da atual eleição para o conselho escolar, já que três integrantes da comissão vêm do conselho.
> Reportagem do O POVO (“Escolas não cumprem lei que cria comissões contra violência“ – 20/3/2008) constatou, no ano passado, que muitas escolas, públicas e privadas, não cumpriam a legislação.
> A demora na responsabilização dos agressores também é um entrave no atendimento e pode prolongar mais ainda a reconstrução do vínculo familiar da criança. Há casos em que o julgamento não chega, o pai ou a mãe agressor acaba ganhando a liberdade e voltando para casa. E, como medida de proteção, quem tem de sair é a criança.
> A forma como o Judiciário opera ainda não contempla as especificidades das crianças e dos adolescentes previstas no ECA. A burocracia faz com que uma criança vítima de violência tenha de fazer várias vezes o relato do que aconteceu, até chegar ao juiz. Um avanço é o projeto de criar uma sala especial de depoimento, com metodologia própria, para as crianças.
RESUMO DA SÉRIE
> Na edição de ontem, reportagem mostrou que juntos, os serviços de teleatendimento Disque 100, do Governo Federal, e Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), receberam, em média, 10,9 denúncias por dia em Fortaleza, de janeiro a agosto de 2009. Casos de negligência e agressão física são os registros mais comuns