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Sossego e a ação policial – debates e ideias

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1º.11.2009 Opinião
*AGAPITO Machado
O que fazer a autoridade policial chamada a impedir, às altas horas da noite, os altíssimos sons/barulhos/algazarras que perturbem, costumeira e excessivamente, em níveis intoleráveis, o sossego e a tranquilidade de várias pessoas, conduta essa que caracteriza a contravenção do art. 42 da LCP ( Lei das Contravenções Penais)?
Se a poluição sonora ocorrer em níveis tão elevados que possam prejudicar a própria saúde humana, ao invés de mera contravenção penal, o fato será crime, previsto no art. 54 da Lei 9.605/98 (lei dos crimes ambientais).
A (Organização Mundial da Saúde) estabelece como padrão suportável ao ouvido humano, a marca de 70 decibéis. O assunto envolve peculiar interesse do Município (CF, arts. 23,VI e 30,I).
No Estado do Ceará, vige a Lei nº 13.711, de 20.12.05, que estabelece medidas de combate à poluição sonora gerada por estabelecimentos comerciais e por veículos, proíbe expressamente, independente da medição de nível sonoro, utilizar quaisquer sistemas e fontes de som em estabelecimentos comerciais, carros de som, veículos particulares, em vias públicas, com volume que se faça audível fora do recinto destes veículos.
Além disso, determina que cabe a qualquer pessoa do povo que considerar seu sossego perturbado por sons ou ruídos não permitidos na referida Lei, comunicar ao órgão competente a ocorrência, para que sejam tomadas as providências necessárias, vale dizer, a autoridade policial terá sim de tomar as providências.
Há quem diga que a Polícia, no caso do art. 42 da Lei das Contravenções Penais, não pode ingressar no domicilio alheio para deter os delinquentes, mormente à noite, senão com ordem judicial, ou seja, nada pode fazer.
A CF/88, no art. 5º, XI permite, excepcionalmente, e sem ordem judicial, a qualquer hora, mesmo à noite, que se ingresse na residência alheia, quando ali está a ocorrer um flagrante delito; se o morador consentir; no caso de desastre ou para prestar socorro.
A ordem judicial, portanto, só autoriza a entrada na casa alheia, fora das referidas situações, e tão somente, durante o dia.
Se, no caso de altíssimos barulhos/algazarras que perturbam o sossego e a tranquilidade de várias pessoas, a policia não puder adentrar, à noite, no domicilio onde esses fatos estão ocorrendo, e o juiz, como vimos, só poderá autorizar a entrada durante o dia, cria-se então uma situação inusitada.
Ou seja, um verdadeiro direito absoluto do delinquente que poderá abusar, constantemente, dos excessos de barulho durante as noites e, antes do por do sol, acabar com sua farra, retornando ao silêncio, e nada lhe acontecerá.
Há quem afirme que a Constituição Federal/88 ao empregar no citado art.5º, XI, o termo flagrante ?delito?, não alcançou a contravenção do art. 42, III, da Lei das Contravenções Penais e, destarte, ninguém poderá ingressar na residência dos infratores no caso citado.
Sabemos que o Constituinte não é técnico, daí porque empregou a palavra ?delito? não apenas para ?crime?.
Ademais, relembremos que tanto o Código de Processo Penal, quando trata da prisão em flagrante, como o art. 69 e seu parágrafo único da Lei 9.099/90, se reportaram ao termo ?infração penal? que é o gênero a contemplar tanto o crime como a contravenção penal.
Penso que ocorrendo flagrante da referida contravenção (art.42, III da LCP), embora não caiba a lavratura da prisão em flagrante propriamente dita, a autoridade policial, de posse de aparelho para medir os decibéis, deve sim ingressar na citada residência, a qualquer hora, mesmo à noite, não só para fazer cessar a infração delituosa, como também para prender/capturar e conduzir os infratores à presença da autoridade policial para ser lavrado o Termo de Ocorrência.
Em seguida os libera, desde que os infratores sejam logo encaminhados ou deles colhendo o compromisso de que comparecerão ao Juizado Criminal no dia e hora designados (art.69 e parágrafo único da Lei 9.099/90), conforme entendimento da melhor Doutrina ( Luis Flávio Gomes/Rogério Sanches Cunha/ Antonio Alberto Machado entre tantos outros).
E caso os delinquentes retornem após a lavratura do Termo de Ocorrência e continuem com as mesmíssimas algazarras/gritarias, excessivas, a autoridade policial deverá ali retornar e, desta feita, agindo da mesma maneira, conduzi-los novamente ao mesmo posto policial, para responderem, agora e também, pelo crime de desobediência (art.330 do Cód. Penal).
O próprio STF atual, tem reiteradamente decidido que não existem direitos absolutos, ou seja, não é possível que pessoas ajam assim, perturbando diariamente o sossego alheio, fiquem imunes à ação da autoridade pública.
*Juiz federal e professor universitário