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Povo deve ter direito de emendar a Constituição?

Ouvir: Povo deve ter direito de emendar a Constituição?

Opinião Pág. 02 11.10.2009
No dia 5 de outubro a Constituição Federal completou 21 anos de promulgação. A carta tem sofrido muitas emendas ao longo desse tempo, dando ensejo a um relativismo perigoso, sobretudo porque essas emendas não são submetidas a referendo popular, antes de serem promulgadas, como acontece em vários países. Há um movimento no sentido de se permitir ao próprio povo apresentar emendas à Constituição, através de projeto de iniciativa popular. Várias constituições estaduais & inclusive a do Ceará – já adotam esse mecanismo. Se os lobbies podem, por que não o povo? & indagam
CIDADANIA
“Sim, é de absoluta necessidade esse mecanismo para enfrentar a crise que afeta a própria Constituição. Além da barreira do quórum para a iniciativa legislativa ordinária, existe a barreira intransponível do Art.49, inciso XV que confere competência exclusiva ao Congresso Nacional para autorizar referendo e convocar plebiscito. Basta suprimir a exclusividade para assim permitir ao povo o exercício pleno de sua soberania, conforme o espírito da Carta de 1988. Seis constituições estaduais já adotam esse mecanismo. Uma comissão do Conselho Federal da OAB trabalha nesse sentido. Do Ceará, partiu o movimento em busca do apoio das assembleias legislativas estaduais para que estas apresentem, conjuntamente, essa emenda ao texto federal, dando consequência à sua natureza de Constituição Cidadã“.
PAULO BONAVIDES
Constitucionalista
RIGIDEZ
As hipótese de Emenda Constitucional se restringe ao que dispõe o art. 60, da CF/88, que não contempla a iniciativa popular. São hipóteses taxativas. As constituições rígidas assim o são para proporcionar segurança jurídica aos cidadãos. Aumentar as hipóteses de EC restringe a rigidez constitucional e a segurança aludida. A maioria dos constitucionalistas entende que o art. 60 é cláusula pétrea. A iniciativa popular tende para a chamada “república plebiscitária“. Hitler e Mussolini foram os campeões desse tipo de consulta, hoje em voga na América Latina. Tal modelo visa burlar a rigidez constitucional e fortalecer os governantes. Isso fragiliza a segurança jurídica que é razão de ser das constituições, mormente das rígidas e analíticas como a nossa.“
RUI MARTINHO RODRIGUES
Professor universitário
DEMOCRACIA
“A Constituição de um país é o manual de direcionamentos legais da população. É o amparo pelo qual a sociedade tem como argumento para garantir os direitos de cidadania. Na construção desse manual a população se faz representar pelos eleitos com esse fim, como ocorre no Brasil, os constituintes. No Ceará, a iniciativa popular de emendar à Constituição tem respaldo no artigo 6° da Carta, lembrando um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que “democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo e em benefício dele.“ Sendo assim, temos instrumentos para o exercício efetivo da democracia, seja pela iniciativa popular de projeto de lei ou de emenda à Constituição.“
DOMINGOS FILHO
Presidente da Assembléia Legislativa o Ceará
RETALHOS
“A Constituição de 1988 não é tecnicamente bem feita. Isso se deve ao método de elaboração. A Constituinte não trabalhou sobre texto sugerido, como previsto. As várias tendências ideológicas passaram a se enfrentar, dando ensejo a uma colcha de retalhos a abranger os mais variados detalhes que poderiam se regulados pela legislação ordinária. A necessidade então de emendá-la surge sempre. Quanto à participação direta do povo, é obviamente necessária em matérias graves e fundamentais, podendo se deixar ao poder constituinte derivado as emendas constitucionais distantes das normas pétreas. Daí a responsabilidade do povo na eleição dos representantes no Congresso Nacional, afastando-se perigoso relativismo influenciado por lobbies. É o caso de repensar sobre a seriedade do voto popular“.
ANTÔNIO CARLOS CHAVES ANTERO
Desembargador federal do trabalho
PRESSÃO
“Se o poder emana do povo e a forma de exercê-lo é através dos seus representantes ou diretamente (CF-1988), nada mais justo do que implementar mecanismos legais e democráticos para que o povo possa emendar a constituição.A pergunta é: os nossos representantes no Congresso atual ou os que serão eleitos em 2010 estarão dispostos a lutar para que seja instituída a soberania popular de fato? Acredito que não. Entretanto, se houver pressão popular e se votarmos nas próximas eleições em candidatos que apoiam esta tese. Ela poderá se tornar realidade. E desse modo, como defendem os juristas Fábio Comparato e Paulo Bonavides, o povo poderá exercer o seu poder através da democracia direta.“
ALBERTO TEIXEIRA
Escola de Governantes
ABERTURA
“Garantir a iniciativa popular para formulação de leis significa abrir o processo legislativo para a participação direta da sociedade, o mesmo devendo ser feito no que se refere as alterações constitucionais que preservem as limitações materiais, formais e circunstanciais já fixadas na própria Constituição. Esta abertura do sistema político resultaria em significativa contribuição para a concretização da soberania popular, hoje circunscrita ao campo da ficção. A iniciativa deve, assim, ser apoiada, mas a sua implementação exige cuidados para evitar desvirtuamentos, principalmente através da manipulação de informações sobre os temas a serem objeto possível de alteração. Enfim, mesmo com os riscos próprios da vivência democrática, o importante é criar e, efetivamente, executar os instrumentos da democracia direta no país“
ALESSANDER SALES
Procurador da República no Ceará.