Paraíso litorâneo vive guerra de traficantes
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- 15-02-2011
Cidade 15.02.2011
Paraíso natural de Jericoacoara se dilui no artificialismo de prazeres de drogas e sexo encontrados livremente
Não é à toa que Jericoacoara se apresenta como uma das praias mais belas do mundo. O litoral extenso e contornado por falésias, dunas imensas e a restinga, que hoje formam uma Área de Proteção Ambiental, oferece uma exótica mistura de praia e sertão.
Com esses encantos, a praia se internacionalizou, transformou-se no mais importante cartão-postal do Estado e passou a atrair o que há de melhor e pior na atividade do turismo. Pousadas bem equipadas para receber autoridades e qualquer pessoa em evidência da mídia se misturam com becos que somem em dunas, e onde se instalam os casebres, que antes se associavam tão-somente à vida rústica dos nativos, hoje despertam suspeitas da Polícia de serem locais de boca-de-fumo e ponto-de-vendas outras drogas. As batidas são raras, porque falta efetivo policial e, na dúvida, seus moradores não são incomodados pelas autoridades.
De lugar recatado e frequentado pelos amantes da paz e das belezas naturais, Jericoacoara viu suas restingas, presumidamente defendidas por lei federal, se mancharem de sangue. A guerra do tráfico de drogas deixou de ser algo comum aos grandes centros, para se enraizar num pedaço do litoral, a 330 quilômetros de Fortaleza.
Mazela
O promotor de Justiça da Comarca de Jijoca de Jericoacoara, Rodrigo Manso Damasceno, diz que o tráfico de drogas é hoje a maior mazela do lugar. O recente triplo assassinato, ocorrido em 19 de dezembro passado, em que a Polícia investiga os vestígios de luta pela demarcação de território, acendeu a luz vermelha de que o paraíso litorâneo é hoje disputado de modo caro e sangrento por conta do narcotráfico.
“Não temos uma prostituição explícita, mas não é descartada, assim como não são tão sérios os crimes contra o patrimônio. No entanto, são ações que inevitavelmente se intensificarão se não combatermos o tráfico de drogas”, afirma Rodrigo.
Aos 31 anos, carioca, Rodrigo sabe que o desafio de representar o Ministério Público em Jijoca de Jericoacoara está longe ser uma atividade tão pacata como o lugar já inspirou essa sensação no passado. Ele lembra que o trabalho fica comprometido a partir da falta de estrutura do Poder Judiciário, uma comarca que foi recentemente desmembrada de Cruz, e da Polícia Civil, que conta com uma delegada e um escrivão.
Ele assumiu o cargo em 7 de dezembro do ano passado. Imediatamente, defrontou-se com assassinatos, represálias entre grupos de traficantes e uma justiça atolada em mais de 1.700 processo em andamento e somente um juiz para atender, todas as demandas.
Eis porque, conforme ressalta Rodrigo, se mantém uma fiscalização frouxa na atuação dos conselhos tutelares. A falta de um juizado de menores não permite que se faça esse acompanhamento e daí se verifica a livre presença de meninos e meninas, com idade inferior a 18 ano, frequentando noitadas em boates e casas de forró.
Juliana tem 14 anos e mora em Cruz. Ela diz que não é natural se deslocar de seu município para desfrutar o fim de semana de Jericoacoara. Com um grupo de amigos, se sentem protegidos e distantes da batalha violenta travada por traficantes, ciosos em manter o rico território ocupado por viciados com alto poder aquisitivo.
Como adolescente, não é única a curtir a noite, onde estrangeiros e turistas brasileiros não encontram censuras para companhia e a celebração noturna tão pontuais, quanto o ritual de subir às dunas para assistir ao pôr-do-sol. O que é triste em Jericoacoara, como afirmam seus moradores, é que a juventude do lugar passou a pagar um preço caro, com a expansão da droga, sobretudo, o crack.
Fique por dentro
Repressão precária não consegue impor a lei
O gargalo para a Polícia são os recursos humanos. Como fazer investigação se faltam homens?”, Indaga a delegada Rita Porto. Ela salienta que ainda neste ano não foi procurada pelo GGI, que tem como atribuição combater a criminalidade e a exploração sexual no Estado.
No entanto, a Secretaria de Justiça, através do Escritório de Enfrentamento e Prevenção do Tráfego de Seres Humanos, promete para ainda este ano instalar postos em Jericoacoara e Canoa Quebrada. Essa ação seria uma continuidade da ostensiva que o Escritório pretende empreender, inclusive com instalações já existentes no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza.
Na Avaliação do GGI, a abordagem de mulheres par a o tráfico internacional diminuiu, em vista da pressão da Polícia Federal. Jericoacoara preocupa as autoridades menos pela atividade de prostituição e tráfico de seres humanos, mas pela crescente organização do narcotráfico.
Apesar de haver disputas explícitas de grupo para a dominação de territórios, o trabalho tem sido lento e o GGI se manteve ausente das principais áreas de conflitos, em vista da mudança de comando na Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
O GGI vem atuando desde 2005, envolvendo 18 órgãos públicos e a perspectiva é dar continuidade neste trabalho, ainda de forma mais intensiva neste ano, haja vista que houve um mapeamento das áreas vulneráveis e riscos para a prostituição infanto-juvenil.
Esse trabalho foi concluído em dezembro do ano passado. Cumbuco é hoje um grande centro de atração de mulheres prostitutas, por conta do Kitesurf. 80% de pousadas, hotéis e restaurantes pertencem a estrangeiros. Do mesmo modo, a Taíba também preocupa pela grande demanda de sexo, e quando há a demanda também existe a oferta.
SEGURANÇA PRECÁRIA
Delegada e escrivão formam Polícia Civil
Numa emboscada, morreram, no dia 19 de dezembro passado, José Eudênio Pereira, 38, Bismark Vasconcelos Albuquerque, 40 e José Carlos Gomes da Silva, 33. A sangue frio, o pistoleiro esvaziou todo o pente da pistola nos ocupantes de um buggy, enquanto eles se deslocavam de Jijoca a Jericoacoara. Duas das vítimas viajavam de carona.
O crime foi considerado hediondo pelo Ministério Público e uma prioridade de investigação para a Polícia Civil de Jijoca de Jericoacoara, não obstante toda a limitação de seu efetivo. Afinal, a execução com arma automática, uma pistola ponto 40, suscitou suspeitas sobre o fato de que Jericoacoara tornou-se um centro de disputa do crime organizado, onde chefões mandam executar inimigos pelo domínio no comércio de drogas, principalmente a cocaína.
A delegada titular Rita Porto diz que há indícios fortes nesse sentido, mas por falta de pessoal e a necessidade de concluir um inquérito com todas as provas possíveis, deverá requerer um pedido de ampliação do prazo para a sua conclusão.
Na distrito policial, trabalham apenas a delegada e um escrivão. A segurança pública tem auxílio da PMTur, que atua com oito a 10 policiais por dia. No entanto, Rita considera insuficiente para atender a toda a extensão praiana, principalmente nas áreas do Preá até Jericoacoara. “As bocadas são casinhas, de difícil acesso. A gente nem consegue chegar lá, inclusive há também o aspecto que é também lugar de moradia dos nativos, que não tem nenhuma relação com o tráfico”, afirmou.
Inteligência
Para Rita, o grande complicador é o serviço de inteligência. Ela lembra que a Justiça tem atendido aos apelos por uma ação mais efetiva e até expedido mandados de busca em pousadas e hotéis suspeitos em Jericoacoara. No ano passado, dez estabelecimentos comerciais foram investigados pela Polícia, com mandado judicial, mas não houve nenhum flagrante. Contudo, garante ainda que o município é calmo comparando com os municípios de Cruz, Itarema e Bela Cruz.
A opinião do especialista
Opção por prostíbulos
Não há como contestar que se houve uma diminuição no tráfico internacional de seres humanos, o mesmo não aconteceu no fluxo doméstico. Em 2010, realizamos cerca de 50 operações e a constatação foi que os prostíbulos no Centro e no Interior são, na atualidade, os maiores responsáveis pelas restrições de liberdade e pela prática do cárcere privado.
Na verdade, não houve no ano passado nenhum registro de tráfico internacional. Mesmo assim, é difícil precisar pelo poder público como se encontra a realidade atual, sobretudo no tocante a movimentação interna no Estado. Ou seja, mulheres de outros Estados e municípios com atuação característica de tráfico.
Percebemos que há uma demanda dessas meninas para outros países, para fazerem programas e trabalharem nas boates de lá, mas com o monitoramento nosso, para que não haja o tráfico internacional de seres humanos, isso tem sido bastante dificultado.
As mulheres estão pagando suas passagens e retornando dentro do prazo estabelecido. Essa motivação acontece a partir do momento em que conhecem os estrangeiros, mantém relações, e a partir de então surgem os convites. Quando a gente conversa com elas, verifica que em nenhum momento houve cárcere privado, tiveram retirado o passado ou privado da liberdade.
No entanto, prevalece o comportamento de muitas mulheres preferirem atuar em casas de prostituição, por segurança delas, são estabelecimentos que também estão sendo monitorados pelo nosso Escritório juntamente com o Juizado e a polícias civil e federal, e fazendo um trabalho de orientação.
Há dois meses fechamos uma casa em Fortaleza, no Conjunto José Walter, por favorecimento à prostituição e foi identificada que havia garotas que antes atuavam na Praia de Iracema. Conversamos com uma delas e essa afirmou que no lugar antigo onde atuava, corria o risco de ser espancada, estava na rua e nem todos os dias tinha cliente.
Coordenadora do Escritório de Enfrentamento e Prevenção do Tráfico de Seres Humanos
tsh.ce@hotmail.comeline marques*
MARCUS PEIXOTO
REPÓRTER