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Irregularidades comprometem merenda escolar

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14.07.2009 Regional Pág.: 01
Sessão na Câmara Municipal de Caucaia debateu as denúncias de possíveis irregularidades na terceirização
O Diário do Nordeste inicia, hoje, a publicação de uma série de reportagem sobre desvios de finalidade na merenda escolar no Estado do Ceará. De Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, quando surgiu o primeiro caso de irregularidade na licitação da merenda escola, abriram-se suspeitas envolvendo outros municípios. Além de deixar crianças famintas, recebendo recursos próprios do Governo Federal, há também indicadores de desvio de dinheiro. A reportagem esteve presente em 16 municípios cearenses, para apurar casos de irregularidades
Caucaia. A Prefeitura de Caucaia foi o caso emblemático de polêmica e suspeita de desvio de finalidades com relação à merenda escolar. Resultado: atualmente o processo licitatório está sendo avaliado pelo prefeito Washington Góis (PRB), despontando para o cancelamento do contrato e instalação de um novo processo licitatório. Antes disso, o mesmo processo foi motivo de irregularidade apontada pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), entre prefeituras que realizaram licitações em feriados e no Carnaval. Também foi motivo de uma ação civil pública, por ato de improbidade administrativa promovida pelo promotor de Caucaia, Ricardo Rocha.
No momento, essa ação está sendo avaliada pela juíza Mirian Porto Mota. No dia 18 de maio passado, a Prefeitura foi citada e dado um prazo para que a administração apresente explicações. De acordo com a Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Caucaia, a merenda continua sendo fornecida pela Serra Leste, no entanto, divulgou-se que o prefeito da cidade está avaliando sobre um novo processo licitatório.
Tudo começou com a realização de um pregão para a compra da merenda escolar na segunda-feira de Carnaval deste ano. O fato chamou a atenção dos vereadores que apontavam várias irregularidades no processo. Para complicar a credibilidade, o resultado do pregão foi anunciado já na Quarta-feira de Cinzas, com a vitória de uma única concorrente, a Serra Leste, do Estado de São Paulo.
Por conta disso, vereadores de oposição, como Deuzinho Filho (PMN), ameaçaram instalar uma CPI e, com a ajuda do Ministério Público, pretendiam cancelar a licitação.
Já os representantes da Prefeitura não hesitam em falar que a segunda-feira, 23, foi um dia útil como qualquer outro do ano. Com a pressão da opinião pública estranhando todo o processo, o prefeito Washington Gois foi mudando o discurso. No princípio, disse que tudo estaria conforme a lei, e que o processo referente ao pregão foi encaminhado ao Tribunal de Contas do Município.
?O que nos entristece é ver como a informação pública está sendo manipulada, dolosamente posta a serviço de causas inconfessáveis, em prejuízo da obra de reconstrução de Caucaia, que agora, mais do que nunca, necessita da união de todos os seus cidadãos de bem?. Esse era o discurso oficial do prefeito Washington Góis, no auge da crise.
Atualmente, as pressões não são menores e vem-se atenuando com a possibilidade de que se pode decretar a nulidade do processo licitatório anterior e estabelecer novas regras. Isso satisfaz o Ministério Público. Mas não os parlamentares. De acordo com os vereadores, o valor definido para o pagamento da merenda escolar está quatro vezes maior do que o adotado na última licitação. Também foram dados privilégios para uma empresa que já vinha sendo alvo de acusações na chamada ?fraude e na máfia da merenda escolar em São Paulo?, embora não tenha havido julgamento e, naturalmente, condenação.
Motivações políticas
O vereador Deuzinho Filho afirma ainda que recebeu diversas denúncias de empresas que tentaram concorrer à licitação, mas não conseguiram.
Com ou sem motivações políticas, o contrato com a Serra Leste envolveu R$ 16 milhões, a serem gastos em um ano, com o compromisso de merenda pronta. Hoje, o município paga as merendeiras e arca com as despesas de transporte.
Até então, este foi o maior escândalo, desde a descoberta de irregularidade da merenda escolar em Fortaleza, em 2002, na então gestão do então prefeito Juraci Magalhães.
Também foi a consolidação do processo de terceirização, vulgarmente conhecido como ?privatização da merenda escolar?, que se disseminou a partir de Fortaleza e se expandiu pela Região Metropolitana e hoje chegou ao Interior do Estado, principalmente nas cidades mais ricas do Estado, como Juazeiro do Norte.
Empresa defende legalidade do contrato
Caucaia. Nenhuma escola sem merenda, apesar de toda a movimentação feita desde fevereiro para colocar a Prefeitura de Caucaia em suspeição no contrato com a empresa Serra Leste.
O diretor comercial da Serra Leste, no Ceará, Nildo Vasconcelos, utiliza exatamente esse argumento para desmontar denúncias feitas para colocar em cheque a lisura do contato com a Prefeitura de Caucaia.
Em seu escritório na BR-166, Km-6, Nildo disse que a prova maior de que se trata de um contrato legal está no fato de que até agora não recebeu nenhuma notificação da Justiça.
Ele informou que é conhecedor que o processo está tramitando na Justiça de Caucaia, por meio da juíza Míriam Mota, mas disse que no momento oportuno irá se defender, assim como fez em outras ocasiões em que a credibilidade da Serra Leste foi posta em questão. ?Não vejo nenhuma irregularidade. Apresentamos nossa propostas e saímos vencedores de um certame, assim como já saímos perdedores em outros realizados no País?, afirmou Nildo, ressaltando sequer estranhar que a abertura das propostas tenha ocorrido numa segunda-feira de Carnaval.
?Essa questão da segunda-feira de Carnaval tem um grande destaque aqui, mas é preciso que se recorde que em outros Estados a segunda-feira é um dia útil como outro qualquer e esse procedimento também foi utilizado?, disse o diretor comercial da Serra Leste.
Fora do cartel
Ele afirmou que a empresa que representa construiu uma reputação nacional na oferta de alimentos, especialmente a merenda escolar, e que jamais se prestaria a participar de um cartel como chegou a ser insinuado pelo Ministério Público de São Paulo, quando a empresa foi investigada, por denúncia de superfaturamento no preço dos produtos a que seriam fornecidos para unidades da rede municipal.
SEM TERCEIRIZAÇÃO
Alimentos são feitos na própria unidade
Caucaia. A Escola de Ensino Fundamental Flávio Marcílio, localizada no Centro de Caucaia, serve como testemunho de que toda a movimentação do TCM, Ministério Público e Câmara Municipal não tem inibido o contrato com a Serra Leste. Essa é uma das cerca de 100 escolas do município, que somam mais de 80 mil alunos matriculados, que não teve a merenda escola interrompida, não obstante toda a batalha que se vem travando nos bastidores, contra a forma como a empresa foi contratada para o fornecimento da merenda.
A diretora Zilda Maria Ramos lembra até de dias piores naquela unidade de ensino, quando não havia merenda ou, então, de tão repetida, não entusiasmava o paladar dos alunos e acabava sendo desperdiçada. Do mesmo modo, a estudante Liana Kelly Sousa, 14 anos, aluna do 9º ano, também diz que, além de se ter regularizado o fornecimento, há uma diversidade na oferta. ?Hoje, posso até trazer merenda para a escola, mas antes ou fazíamos assim ou ficávamos com fome o dia todo?, conta.
A merenda nas escolas de Caucaia não transparece que se trata de um produto terceirizado. Afinal, os alimentos continuam sendo preparados por funcionários municipais. Também compete a esses o trabalho de higiene. Ou seja, de lavar os materiais utilizados nos lanches. A falta de luvas, toucas e roupas adequadas para o ofício são negligenciadas. A diretora disse que a indumentária está sendo providenciada.
FIQUE POR DENTRO
Fraudes mais comuns segundo dados do MP
Tipos de fraudes mais comuns constatadas pelo Ministério Público ao avaliar práticas de gestores municipais: especificar de forma inadequada os gêneros alimentícios objetos da aquisição, o que permite comprar produtos com baixo valor nutricional e mais baratos, revertendo a diferença ao bolso do gestor; especificar inadequadamente os serviços a serem contratados ou fazer exigências desnecessárias com o objetivo de restringir o caráter competitivo do certame direcionando para um vencedor antes especificado em conluio com a administração; esconder ou não disponibilizar o edital de licitação; e por fim, a formação de cartel, na qual um grupo de empresas em conluio com a administração pública, combinam quem vai ganhar e quanto de propina vai pagar aos gestores.
MARCUS PEIXOTO – Repórter