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Crimes e a honra

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27.02.2010 Opinião
Há vários anos, seja em sala de aula, ou em minhas publicações em jornais e livros, escrevo sobre crimes contra honra e denunciação caluniosa, notadamente quanto aos seus aspectos cíveis e criminais. Pelo princípio da especialidade os crimes contra honra (calúnia, difamação e injúria) podem se sujeitar ao Código Penal, Código Eleitoral e Lei de Imprensa.
Notadamente na antiga Lei Imprensa, a calúnia, difamação e injúria eram passíveis de pequenas penas abstratas, privativas de liberdade, o que tornava inútil a condenação criminal do réu ofensor, eis que a prescrição bienal (dois anos) sempre ocorria.
Impossível era mesmo um processo tramitar em apenas 2 (dois) anos desde o juiz de 1º grau até o Supremo Tribunal Federal, passando pelos Tribunais Inferiores (Tribunais de Justiça ou Tribunais de Recursos Federais) e Superior Tribunal de Justiça.
A prescrição penal, conquanto seja um razoável negócio para o autor do crime (o ofensor), todavia não afasta a sua responsabilidade civil pelo dano causado ao ofendido, eis que a prescrição em nada implica na negação do fato ou da autoria.
Assim o ofendido, de posse da sentença condenatória, mesmo prescrita, basta ajuizar uma ação ordinária cível de indenização contra o ofensor, onde não precisará demonstrar a autoria e a materialidade do crime contra a sua honra, que já constam da condenação criminal, e discutirá apenas o “quantum” (o valor da indenização).
O “quantum” da indenização pelo dano moral dependerá do grau da lesão à honra alheia e também de quem seja o ofensor e o ofendido, como pacífico na doutrina e Jurisprudência.
Hoje, praticamente não há mais crime contra a honra com base na Lei de Imprensa, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130 MC/DF, relator ministro Carlos Britto, 27.2.2008, Boletim Informativo 496 e reiterada no RE 511961/SP, relator ministro Gilmar Mendes, 17.6.2009, Boletim Informativo número 551, que a tornou inútil, por não haver sido recebida pela novel Constituição.
Portanto, se praticado através dos meios de comunicação ou não, sem conotação eleitoral, o crime é punido de acordo com o Código Penal (arts.138, 139 e 140) e, quando praticado contra funcionário público, as penas são aumentadas de mais um terço (art. 141,II), ficando, destarte, mais difícil ocorrer a prescrição porque não é a bienal de 2 (dois) anos, da antiga Lei de Imprensa, e se sujeitam às causa de interrupção e suspensão previstas no referido Código.
Quando, além do servidor ser inocentemente atingido em sua honra, o ofensor ainda dá ensejo a que contra ele (servidor) seja instaurado um procedimento policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade, temos a chamada denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal, com redação ampliativa dada pela Lei nº 10.028, de 19.10.2000), cuja pena é mais grave, ou seja, de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão e multa, e com mais o aumento de sexta parte se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto, ou seja, age covardemente.
Diferentemente dos crimes contra a honra da antiga Lei de Imprensa, cuja prescrição, como vimos, sempre ocorria porque era de dois anos, na denunciação caluniosa a prescrição é 12 (doze) longos anos, conforme art. 109, III do Código Penal.
Ademais, esses 12 (doze) anos podem se prolongar ainda mais, ou seja, por mais 12 anos após o recebimento da denúncia que é causa de interrupção da prescrição (art. 117, I, do Código Penal) e novamente interrompida pelos mesmos 12 anos, após a publicação da sentença e também do acórdão (art.117,IV, do Código Penal).
E se por absurdo ocorrer a prescrição, se aplica o mesmo raciocínio acima para o ofendido ajuizar ação cível de perdas e danos contra o ofensor.
E se não ocorrer a prescrição, o ofendido simplesmente de posse da condenação transitada em julgado, que é um título executivo judicial, propõe um processo de execução contra o ofensor.
Enquanto que os crimes contra a honra de funcionário público dependem de representação do ofendido, a denunciação caluniosa não depende de qualquer manifestação do funcionário ofendido, por se tratar de crime de ação pública incondicionada.
O que equivale dizer que basta o Ministério Público tomar conhecimento de que o ofensor deu ensejo a que fosse instaurado contra o ofendido inocente um procedimento policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade, pode denunciá-lo pelo crime do art. 339 do Código Penal, mesmo contra a vontade do funcionário.
AGAPITO MACHADO
Juiz federal e professor universitário