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Reconhecimento ao talento

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25.09.2010 cidade
Talentos agraciados: o bibliófilo José Augusto Bezerra falou em nome dos homenageados, a coreógrafa Regina Passos, o médico Gilmário Mourão e o artista plástico Nilo Firmeza
Dona Yolanda Queiroz, Presidente do Grupo Edson Queiroz
Sereiado José Augusto Bezerra – Bibliófilo – em dois momentos: discursando (leia a íntegra do discurso) e com a Sereia de Ouro 2010
Personalidades cearenses tiveram mérito reconhecido em solenidade realizada no Theatro José de Alencar
O Troféu Sereia de Ouro chegou ontem à sua quadragésima edição reconhecendo a trajetória de quatro personalidades cearenses que dedicaram suas vidas a diversas áreas do conhecimento, dando uma rica contribuição ao desenvolvimento do Estado. A comenda, instituída pelo Sistema Verdes Mares, agraciou a coreógrafa e professora Regina Passos, o médico Gilmário Mourão Teixeira, o empresário e bibliófilo José Augusto Bezerra e o artista visual Nilo de Brito Firmeza.
A cerimônia foi realizada no Theatro José de Alencar, que teve sua sala de espetáculo preenchida com a presença de ilustres convidados. A grande dama do balé cearense, Regina Passos, foi a primeira a receber o troféu, repassado pelas mãos do vice-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargador José Arísio Lopes da Costa. O médico Gilmário Mourão Teixeira foi igualmente laureado com o troféu na forma de sereia, entregue pelo Secretário da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado do Ceará, René Barreira, que na ocasião representou o Governo do Estado do Ceará. Já o empresário e bibliófilo José Augusto Bezerra recebeu a comenda das mãos do Comandante da 1ª Região Militar, Hélio Macedo. O artista visual Nilo Firmeza, o Estrigas, acolheu a honraria entregue pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha. Aplaudido por diversas vezes, o empresário e bibliófilo José Augusto Bezerra proferiu o discurso em nome dos homenageados. “São quatro semeadores de sonhos diferentes e agora, atendendo a um chamado do destino, participam da colheita”.
Na ocasião, o presidente da Câmara dos Vereadores, Salmito Filho, e o deputado Artur Bruno, representando a Assembleia Legislativa, entregaram placas comemorativas à presidente do Grupo Edson Queiroz em celebração aos 50 anos do Sistema Verdes Mares.
CONSAGRAÇÃO
Personalidades em destaque
Minhas senhoras
Meus senhores
Manifestamos a grata satisfação de registrar que esta é a quadragésima edição da Sereia de Ouro. Entre a primeira edição na década de 1970 e agora, a humanidade assistiu a transformações que colocam o início daquela jornada numa penumbra de saudade. A economia deixou o âmbito regional e se tornou globalizada. A tecnologia evoluiu do sistema analógico para a era digital. Apesar de tais mudanças, a Sereia de Ouro continuou a ser entregue anualmente a quatro personalidades cearenses que venceram na vida por mérito próprio.
Com os agraciados desta noite, os homenageados chegam a 160 personalidades ilustres. Esse resultado nos deixa satisfeitos e, por certo, orgulharia o Chanceler Edson Queiroz, instituidor da comenda. Como há quarenta anos, a comissão julgadora acertou na escolha dos sereiados deste ano: Regina Passos, Gilmário Teixeira, Augusto Bezerra e Estrigas.
Regina Passos é uma referência obrigatória da coreografia no Ceará. Com talento nato para a dança, ela se aperfeiçoou nessa arte e fundou pioneiramente uma academia de balé em Fortaleza. Dedicou-se de corpo e alma a ensinar a juventude a refinada técnica dos movimentos corporais em harmonia com o ritmo musical. Montou mais de meia centena de festivais de balé, grandes espetáculos de graça e leveza que fizeram essa mestra da dança arrebatar prêmios nacionais a internacionais.
Alistando-se nas fileiras sanitaristas de combate à tuberculose, o médico Gilmário Teixeira deu colaboração inestimável para melhorar a saúde pública no Brasil. Nesse apostolado, ele aperfeiçoou os estudos médicos em universidades estrangeiras, fundou e dirigiu hospitais, publicou artigos científicos, exerceu o magistério superior e ocupou funções em órgãos públicos especializados em doenças respiratórias. Seu trabalho profícuo foi reconhecido quando designado para participar da Organização Mundial de Saúde.
José Augusto Bezerra é aquela pessoa para quem o mundo sem livros seria um mundo sem encanto, tendo assumido o encargo de guardião e defensor desse frágil tesouro cultural. A paixão desse bibliófilo são esses pequenos artefatos impressos e encadernados, que preservam e transmitem o acervo material do conhecimento humano. Essas obras, que passam aleatoriamente de mão em mão às vezes até desprezadas, encontram lugar seguro e definitivo nas prateleiras de sua biblioteca soberba, com milhares de títulos raros.
Nilo de Brito Firmeza, que quase ninguém conhece pelo nome próprio, mas pelo carinhoso apelido de Estrigas, é um dentista de profissão, mas que ganhou notoriedade como artista plástico. Na companhia da doce mulher, a também artista Nice, ele vive afastado no bucólico sítio em Mondubim. Mas nem por isso sua fama de pintor de gênio excepcional deixou de ultrapassar as fronteiras cearenses, alcançando importantes mercados de arte no País, tendo feito inúmeras exposições e participado de movimentos artísticos.
Parabéns, sereiados. Agradecemos a presença das autoridades e dos amigos que participam desta solenidade.
Nosso muito obrigado.
Dona Yolanda Queiroz
Presidente do Grupo Edson Queiroz
DESTAQUE NACIONAL
Ceará: história de superação
Ilustríssimas autoridades,
Senhoras e senhores:
Inicialmente, quero agradecer a honrosa distinção de poder fazer algumas reflexões, nesta solenidade, em nome dos recebedores desta importante láurea.
Lembremos que o Theatro José de Alencar, que nos acolhe nesta noite glamourosa, está comemorando o centenário da sua criação e que esta cerimônia é parte deste ano especial, que celebra, também, quatro décadas do Troféu Sereia de Ouro. Assim, do alto deste venerando palco, testemunha de tantos momentos de glória, saudamos a ilustre plateia que engalana este recinto, nas figuras honoráveis de Dona Yolanda e do Chanceler Airton Queiroz.
As origens de eventos semelhantes podem ser encontradas há mais de dois mil anos, quando o povo grego, cheio de sabedoria, reunia-se em praça pública, chamada Ágora, para homenagear os que haviam dignificado a Grécia, nos campos de batalha ou no terreno das ideias. Em momentos de confraternização social, como este, é como se, inconscientemente, entrássemos em sintonia com aqueles rituais distantes, perdidos no tempo, onde os homens e seus feitos eram lembrados.
Preliminarmente, gostaria de observar que o Brasil é a mais importante nação da raça latina, no mundo atual. Em extensão geográfica, em número de habitantes, em produção de riquezas e em perspectivas futuras.
O Estado do Ceará nele se destaca por uma história de superação, contra secas, escravidão, pobreza e outros desafios, desde longas datas. Como bibliófilo possuo documento de D. João VI, já em 1819, reconhecendo a ajuda dos índios do Ceará, nas lutas pela preservação da unidade nacional.
O Norte do Brasil, incluindo o Amazonas, foi conquistado por nordestinos e particularmente por cearenses, que por lá morreram aos milhares. Nossos soldados nas guerras sempre foram valentes e temidos, o que levou o conterrâneo General Sampaio a ser consagrado como o patrono da infantaria do Exército Brasileiro.
Junto com os outros filhos do Nordeste, propiciamos o progresso da região Sul, dando-lhe mão-de-obra abundante e barata, tanto na agricultura, com os boias-frias, como nas fábricas, na construção civil e no setor de serviços. Também na ocupação do solo, pois a própria cidade de São Paulo, a maior, a mais rica do País e uma das metrópoles do mundo, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas tem mais da metade de seus moradores, entre pais, filhos e netos, com origens nordestinas.
Numa palestra do sociólogo Gilberto Freyre, em 1980, feita neste mesmo teatro, ouvi-o afirmar que a raça brasileira, sendo feita de imigrantes, não tinha um biotipo próprio e que quando viesse a tê-lo, deveria ser parecido com o do cearense, pois fora ele quem dera a grande contribuição étnica por estado, à nação, ao emigrar para todos os recantos do País e miscigenar-se em todas as camadas sociais. Nas palavras daquele grande estudioso, portanto, o cearense é o modelo para que o tempo pinte, numa tela, um biotipo para o Brasil.
Nosso Estado muito tem colaborado também com a inteligência nacional. Fundou a primeira Academia de Letras do Brasil, antes da Academia Brasileira de Letras, criou um dos primeiros Institutos Históricos do país, implantou a primeira Secretaria de Cultura em um estado, e é a sede da Associação Brasileira de Bibliófilos, também a mais antiga em atividade no espaço cultural brasileiro.
Aqui nasceram o criador do romance nacional, José de Alencar; o maior historiador do País, Capistrano de Abreu; o elaborador do nosso primeiro Código Civil, Clóvis Bevilacqua; o maior filósofo brasileiro, Farias Brito; um dos maiores filólogos, Heráclito Graça; o maior documentalista, o Barão de Studart; a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, Rachel de Queiroz, cujo centenário de nascimento também ocorre neste ano; o maior poeta popular do Brasil, Patativa do Assaré e daqui saem os grandes humoristas do País.
Em outras áreas ainda podemos destacar líderes nacionais. Na religião católica, D. Helder Câmara; na doutrina espírita, Bezerra de Menezes; na religiosidade popular, Padre Cícero; na música, Alberto Nepomuceno; nas revoluções: Antônio Conselheiro, líder da Guerra de Canudos; Tristão de Alencar, Presidente da Revolução do Equador e Dragão do Mar, ícone da Abolição dos Escravos.
Então, como povo, somos tão-somente o resultado de tudo quanto antes por aqui se passou, e os troféus são símbolos de momentos importantes dessa nossa História. O Troféu Sereia de Ouro, por exemplo, é um pouco de um homem e seu tempo. Uma síntese da imaginação e um reflexo das esperanças do inesquecível Edson Queiroz, um dos maiores filhos do Ceará, em todos os tempos.
Sabemos que ao receber este reconhecimento, uma espécie de Prêmio Nobel da nossa região, levamos conosco, na realidade, um pouco das ideias de alguém que tinha em mente gerar riquezas e empregos para sua terra, e erigiu um conglomerado empresarial. Que estava determinado a criar oportunidades para os filhos do Ceará, através da educação, pois sabia que só pela cultura um povo se salva, e ergueu uma das maiores Universidades privadas do País. Que tencionava estimular a criatividade e o trabalho de outros que também tinham sonhos, na sua região, e instituiu o Troféu Sereia de Ouro.
Ao longo de quarenta anos, esse troféu, cujo logotipo da sereia foi criado pelo cartunista Mino, tem homenageado os que, em diferentes setores de atividades, deram uma parcela de contribuição ao desenvolvimento do Ceará. Nos primeiros 11 anos foi entregue pessoalmente por Edson Queiroz e, em 1982, após a sua morte, continuou sendo outorgado, sem nenhum período de interrupção, pela família, tendo à frente Dona Yolanda Queiroz, que assumira a presidência do Grupo. Nessa missão de empresária, Dona Yolanda, em 2008, atingiu a esfera internacional, ao tornar-se a primeira mulher recebedora do título de Personalidade do Ano, outorgado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em reconhecimento ao seu trabalho no estreitamento das relações entre os dois países.
Em 2010, estão sendo homenageados com o Troféu Sereia de Ouro, um artista plástico, Nilo de Brito Firmeza, o Estrigas; uma pioneira da dança clássica em nossa terra, Regina Passos; um médico, Gilmário Mourão Teixeira e um bibliófilo, José Augusto Bezerra.
Imaginemo-los como se fossem quatro semeadores de sonhos diferentes, que cultivam seus sentimentos em uma mesma região e que aqui vieram, nesta noite, atendendo a um chamado do destino. Conheçamos um pouco das sementes que plantaram e das colheitas que fizeram.
Nilo de Brito Firmeza, o Estrigas, começou a plantar no antiquísimo terreno das artes plásticas, cujas primeiras representações já podiam ser vistas nas pinturas das paredes das cavernas da pré-história, há mais de 30.000 anos. Tal arte utiliza imagens e formas que revelam a estética e a poesia das sociedades, em cada época, e representam, de certa forma, a evolução da espécie humana.
Em sua terra – o Ceará – Estrigas semeou através de pinturas, ilustrações, reproduções, catálogos, livros, artigos publicados, e um minimuseu. Por tudo isso, colheu os frutos do reconhecimento, sendo consagrado como um dos mais importantes protagonistas, memorialistas e documentalistas das Artes Plásticas do Ceará, no século XX e XXI.
Regina Passos, pelas mãos do próprio destino que hoje a convida, chegou às terras férteis da dança, uma das três principais artes da antiguidade, ao lado do teatro e da música. A dança, inicialmente sagrada, veio-se adaptando para o uso em sociedade e se transformou numa das mais belas representações dos sentimentos de cada povo e de cada época.
Em 1950, Regina Passos foi buscar no Rio de Janeiro as técnicas para a semeadura em Fortaleza. O arado com que cultivou, inicialmente, as terras, era feito de pioneirismo e intuição feminina, forças sublimes que transformam o mundo. Após mais de meio século dos primeiros passos, são os filhos e netos que dão continuidade àquele sonho, e a sociedade cearense, nesta noite, vem aqui para dizer da gratidão que deve a Regina Passos por ter feito nosso povo mais feliz, sensível e evoluído, e por haver-nos encantado, durante tantos anos, através dessa milenar arte da expressão corporal.
Gilmário Mourão Teixeira tornou-se um plantador de sonhos ao graduar-se em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco. Desde a antiguidade mais remota, esta missão simboliza o transcendente, havendo o próprio Cristo curado enfermos, de corpo e de alma. Na literatura Védica, na Índia; no Taoísmo, na China; no código de Hamurabi, na Babilônia; nos papiros de mumificação, dos egípcios; na Legislação de Moisés, entre os Hebreus, ou na antiga Grécia, de Hipócrates, há sempre algo de solene ao se falar da Medicina.
Descende este semeador da lendária família dos Mourões, cuja história é parte da saga cearense e da conquista da nossa terra. Foi o primeiro diretor do Sanatório de Maracanaú. Trabalhava com pacientes de tuberculose numa época em que a doença era quase incurável e contraí-la signficava uma tragédia. Mas, não só não a temia, como ajudou a curá-la, e, mesmo em nível internacional, tornou-se reconhecido pela dimensão da sua obra assistencial e científica. Ao homenageá-lo, representamos milhares de pessoas que, um dia, depositaram as últimas esperanças de cura de um ente querido, em suas mãos, e, por extensão, reverenciamos também o trabalho apostólico de toda a classe médica.
Como último desses semeadores, apresento-me como José Augusto Bezerra. Dou continuidade a uma antiquíssima tradição, porquanto o primeiro grande bibliófilo foi Aristóteles, chamado o pai da Ciência, e a primeira grande biblioteca pública foi a de Assurbanipal, na Mesopotâmia.
No caso, destaco, por considerá-la curiosa, a opinião de nosso amigo José Mindlin, reconhecido como o maior bibliófilo do Brasil, que após visitar nossa biblioteca pela terceira vez, um ano antes da sua morte, declarou com o seu conhecido bom humor: – “Até que enfim encontrei um homem tão louco quanto eu”.
Defino o bibliófilo como aquele que deseja preservar pelo menos um exemplar de cada livro ou documento importante, para a posteridade. Ou seja, enquanto os ecologistas procuram resguardar o que a natureza criou, os bibliófilos se esforçam para proteger o que as mentes criaram, pois, tanto o meio ambiente quanto a memória humana não têm substitutos.
Senhoras e senhores, estamos conscientes de que os homenageados desta noite representam, por amostragem, todos os cearenses, importantes ou humildes, da cidade ou do interior, que amam o Ceará e trabalham por ele.
Somos agradecidos pelas honrarias que estamos recebendo e dedicamos as glórias deste momento a Deus, à família e aos amigos, parceiros leais de todas as horas.
É uma festa para os nossos corações termos sido chamados pelo destino e aqui estarmos. Levaremos o Troféu Sereia de Ouro como a lembrança concreta de que tal instante realmente existiu em nossas vidas e guardaremos, na retina dos nossos olhos, como se fora um segundo prêmio, a imagem de todos vocês que aqui vieram.
Enfim, como cada troféu é um pouco das ideias de quem o criou, vemos neste uma mensagem de fé do seu idealizador, Edson Queiroz, que nos ensinou: “Se algum dia vocês forem surpreendidos pela injustiça ou pela ingratidão, não deixem de crer na vida, de engrandecê-la pela decência e de construí-la pelo trabalho”.
José Augusto Bezerra