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Debates e Idéias: Outorga de escritura

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Opinião Pág. 03 29.11.2009
Por ocasião das aulas que profiro para os alunos de Direito Penal III, na Universidade de Fortaleza (Unifor), noto uma certa surpresa, por parte deles, quando afirmo que é crime de falsidade a atitude de comprador e vendedor assinarem escritura pública de venda de um imóvel, por preço inferior ao real ou de mercado, procedimento esse bastante corriqueiro na nossa sociedade.
Segundo a melhor doutrina e jurisprudência, o crime de falsidade exige potencialidade ofensiva, ou seja, aptidão para causar dano a terceiro, segundo o princípio da adequação social, dentre outros. Do contrário, não haverá crime.
No ato de se outorgar uma escritura pública, quando da venda de um bem imóvel, vários são os interesses envolvidos, com os do Fisco Federal e Municipal, do Oficial do Cartório de Títulos e Documentos, de possíveis credores dos vendedor e comprador.
O principal interessado, em não ter prejuízo em sua arrecadação, é o Município onde está situado o imóvel, eis que credor do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis, previsto no art. 156, II e § 2º da CF/88, imposto esse que garante ao Município prestar seus serviços à sua comunidade. Portanto, se o preço pelo qual vendedor e comprador vão passar a escritura do imóvel, respeitar o valor (base de cálculo) sobre o qual vai incidir a alíquota desse imposto, não há crime. Do contrário, poderá ocorrer o crime de sonegação, nos termos da Lei 8.137/90. Aliás, dificilmente ocorrerá crime, em prejuízo ao Município, porque os Oficiais dos Cartórios de Título e Documento não são tolos e só efetivam a Escritura mediamente o comprovante do prévio pagamento do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) por parte das partes envolvidas no negócio.
Outro principal interessado é a União, credora do imposto de renda sobre o lucro imobiliário. Portanto, no caso em que incide esse tributo, para quem possui mais de um imóvel, o preço combinado pelas partes, quando da feitura da Escritura, poderá ensejar crime de sonegação fiscal, previsto na referida Lei n. 8.137/90.
Resumindo, deverá constar da escritura pública o verdadeiro valor do negócio, não devendo comprador/vendedor se deixarem seduzir pela malícia de fazerem constar um preço inferior ao de mercado, tendo em vista que, entre diversos outros problemas jurídicos, ocorrem os seguintes: a) constitui crime tipificado pelo art. 2 o , I, da Lei n o 8.137/90; b) uma das partes, de má-fé, poderá alegar que o negócio foi viciado, lhe causando prejuízo, e, em razão disso, pedir a respectiva anulação ou a diferença entre o preço que constou na escritura e o valor de mercado do imóvel, na forma do art. 157 do novo Código Civil; c) como dito, poderá ensejar pagamento de Imposto de Renda sobre o lucro, incidente sobre a diferença entre o valor de compra e de revenda do imóvel, com juros, multa e correção monetária, sem prejuízo da ação penal.
Cuidado. Não seja agradável em negócios. Não se deixe enganar, sob a alegação de uma das partes, de que: “todo mundo faz assim e nunca deu problema”.
Não é uma questão de querer ser mais honesto do que o rei, mas sim de cumprir a lei, ser ético e também evitar trazer para si diversos problemas jurídicos.
AGAPITO MACHADO
Juiz federal e professor universitário