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Como recuperar aqueles que se envolvem em atos infracionais?

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Opinião 20.03.2011
A secundarização do trato de crianças e adolescentes pelo poder público no Ceará reflete-se frontalmente na flacidez de políticas sociais básicas que correspondem aos seus direitos e devem ser universalizadas: vida, saúde, educação, esporte, cultura, lazer, convivência familiar e comunitária, profissionalização, proteção no trabalho, dignidade, liberdade e respeito. Serão revolucionários gestão e gestores que se dispuserem a priorizar tais políticas, e atuar em ações focalistas e compensatórias tão somente na estrita demanda de grupos e sujeitos sociais específicos. Vai ser indescritível, e minha esperança se alimenta dessa possibilidade. Sempre.
Ângela Pinheiro
Professora da Univ. Federal do Ceará (UFC), integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e do Cedeca
Os motivos são simples e repetitivos, assemelhando-se a uma decantada ladainha. Em primeiro plano, como ponto mais expressivo na ampliação e reincidência do número de adolescentes em conflito com a lei, identificam-se as disparidades econômicas e sociais. Todo jovem quer exercer suas potencialidades e ter acesso a bens, equipamentos e serviços públicos. O segundo aspecto diz respeito ao histórico déficit de orçamento e de pessoal qualificado para o atendimento socioeducativo. Como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), crianças e adolescentes se encontram em fase peculiar de desenvolvimento. Com oportunidades e alternativas concretas, combinando-se educação profissional de excelência e educação para direitos e cidadania, obtém-se resultados destacadamente positivos. E a Justiça, como sempre, se perde nos seus labirintos.
Glória Diógenes
Professora doutora do programa de pós-graduação em Sociologia da UFC
Temos a legislação adequada. Executá-la funcionaria como um sistema preventivo. Ainda somos uma sociedade adultocêntrica e violadora dos direitos infanto-juvenis. É necessário efetivar o princípio constitucional da ?absoluta prioridade?, proteger integralmente crianças e adolescentes, destinando recursos públicos e privilegiando-os ao formular e executar as políticas sociais públicas. Em se tratando de orçamento, o Ceará precisa garantir com urgência, atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade, aos vitimados pela dependência química, violência sexual e situação de rua. Feito esse dever de casa, seguramente, diminuiria imensamente o envolvimento de meninos e meninas em atos infracionais.
Adriano Ribeiro
Coordenador de projetos sociais do Lar Pequeno Nazareno
São pontos fundamentais no acompanhamento do adolescente que se envolveu em atos infracionais um atendimento socioeducativo qualificado, uma rede de retaguarda eficaz, a coparticipação da família no processo de socioeducação e a autopercepção do socioeducando como protagonista de sua história. Quanto às leis, é necessário maior controle dos entes legislativos, executivos e judiciários para efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante do desafio de um atendimento em meio aberto, o programa Se garanta, da SDH, concretiza um novo projeto pedagógico que prevê um atendimento adequado às especificidades do público atendido. Compreendemos que as medidas socioeducativas em meio aberto devem ser aplicadas de forma mais ampla do que as medidas que restringem a liberdade. Assim, é possível um acompanhamento educacional do poder público visando uma integração social que resulta em menor nível de reincidência.
Demitri Cruz
Secretário Interino da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH)
É preciso recriar as relações humanas, reconhecer, denunciar e superar situações de violência junto à população infanto-juvenil com investimento em ações que promovam a solidariedade e que oportunizem construir uma cultura de paz. A solução não está em mais presídios, mais polícia, mais punições, mas sim na geração de oportunidades. A ausência de políticas públicas que oportunizassem o acesso a garantias de direitos levou grande parcela da juventude à situação de vulnerabilidade social. É preciso que as políticas públicas para juventude reconheçam os jovens não só como problema, mas como parte da solução. É necessário que o Governo do Estado do Ceará fortaleça boas experiências e invista mais fortemente em prevenção e de reinserção social que oportunizem a emancipação cidadã infanto-juvenil nos municípios. Faz-se necessário fortalecer a dignidade das pessoas. E isto se dá por meio do acesso a garantias de direitos.
Francisco Silva de Sousa
Coord. do projeto Vida nas teias da cultura e militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular
A política que o Estado adota para meninas e meninos que se envolvem em atos infracionais é a da vingança, da violência, o que torna a vida de muitos deles uma trajetória de violações de direitos. Muitos alardeiam que, para os adolescentes, não existe punição quando do cometimento de um ?crime?. Talvez a premissa seja verdadeira para os filhos da burguesia, mas para os jovens filhos da periferia ela é aplicada desde a não realização dos seus direitos fundamentais, iniciando na infância, e, quando cometem algum ato infracional, a sentença é dada desde a abordagem policial violenta até o cumprimento da medida nos centros educacionais superlotados, sem estrutura que garanta a escolarização e nenhuma proposta de fato socioeducativa. Portanto, o que falta é investimento em políticas que garantam direitos,além da luta contra a hegemonia cultural acerca da concepção sobre infância e adolescência, que deve ser protagonizada pela juventude.
Talita Maciel
Assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Ceará