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O estado democrático de direito – coluna Fábio Campos

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01.10.2010 política
A Coluna Política, nas edições de quinta e sexta-feira da semana passada, expôs uma série de fatos relacionados à denúncia de que o governador Cid Gomes (PSB) e o deputado federal Ciro Gomes (PSB) estariam envolvidos em desvios milionários. Tal denúncia se baseou em suposta delação do empresário Raimundo Morais Filho. A Coluna mostrou o encadeamento de alguns fatos e sugeriu que o caso merecia uma profunda investigação. Na opinião da Coluna, havia indicativos de que o caso poderia ter sido fruto de manipulação política com objetivos eleitorais envolvendo autoridades que nada tinham a ver com as operações da Polícia Federal que levaram à prisão de ?Moraizinho?.
A Coligação PR-PPS, que tem Lúcio Alcântara como candidato, Roberto Pessoa como coordenador de campanha e Paulo Goyaz como advogado, decidiu então entrar com um pedido de direito de resposta no TRE. Aliás, dois pedidos. Um para cada Coluna, mas com conteúdos praticamente idênticos. O texto da resposta requerida, além de repleta de absurdos, é bem maior que o espaço de cada Coluna e foge quase que completamente aos aspecos levantados aqui. Mas, o fato é que as duas representações foram liminarmente ?indeferidas?. Pela relevância das decisões de dois magistrados, a Coluna decidiu publicá-las. Hoje, será a vez da decisão do juiz Heráclito Vieira de Souza Neto. Em texto sucinto e cirúrgico, o magistrado acaba lançando imensa luz sobre uma questão fundamental no Brasil de hoje: a liberdade de expressão e de imprensa. Vejam a seguir os principais trechos da primeira decisão.
Heráclito: ?Alega-se, em síntese, que o autor do artigo ?juntou fatos verdadeiros com fantasias e ilações e a seguir fez insinuações levando ao eleitor a imaginar que o candidato da coligação representante, seu coordenador de campanha e o advogado desta teriam armado com o Raimundo Morais Filho para criar fato negativo para a campanha de reeleição do atual governador, sem demonstrar qualquer prova contra o fato alegado, mas apenas insinuações criminosas e jocosas. Afirma que o artigo se reveste em propaganda eleitoral negativa e pede, em sede de liminar, que seja determinado aos representados ?que se abstenham de fazer qualquer publicação no jornal afirmando que o Representante, seu candidato, seu advogado ou qualquer outra pessoa seja suspeita de ter armado a matéria da revista Veja, salvo se consultado o juízo de V Exa. e ficar confirmado com provas robustas os fatos que estão sendo veiculados, em qualquer parte do jornal ou site, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 50 mil por matéria?.?
Passo a decidir: O artigo 5º da Constituição Federal, em três de seus incisos a seguir transcritos, materializa de forma contundente o Princípio da Liberdade de Expressão: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.?
Já o artigo 220 da CF, ao tratar da censura, também tutela de forma direta o princípio em comento: Art.220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Assim, a regra é que a liberdade de expressão seja assegurada de forma ampla, sem possibilidades de restrições de qualquer ordem?.
Finaliza o juíz Heraclito: ?A medida pleiteada pela Representante em caráter de urgência, a meu ver, fere frontalmente os princípios constitucionais acima delineados. Impedir que os representantes publiquem notícias, análises ou versões sobre quaisquer fatos, mesmo que relacionados com as eleições, importa em cercear a liberdade de imprensa. Ademais, submeter a matéria a ser divulgada no jornal a exame anterior de quem quer que seja – incluindo-se esse julgador – configura-se como censura prévia, prática inconciliável com o Estado Democrático de Direito, valor jurídico tutelado de forma inexpugnável, pela Constituição Federal. Pelo exposto, indefiro a medida liminar pleiteada ante a ausência do requisito indicado no corpo da decisão (fumus bonis juris), bem como em razão da sua incompatibilidade com a Ordem Jurídica vigente.